Desempenho, preço, compatibilidade e mais: que esperar dos novos Macs com processadores Apple Silicon baseados em ARM

Não é sempre que uma mudança tão drástica é anunciada: depois de muita especulação, a Apple confirmou que os novos Macs passarão a adotar processadores próprios, baseados em arquitetura ARM, ainda em 2020. É o fim de uma era de 15 anos, que começou em 2005, quando Steve Jobs revelou a transição do PowerPC para os atuais chips da Intel.
O Apple Silicon pode impactar toda a indústria. A Intel reinou sozinha no mercado de PCs por muitos anos, sem uma concorrência de verdade da AMD. E a Apple mostrou que sabe projetar chips poderosos nos iPhones e iPads, com uma arquitetura ARM mais otimizada que a de qualquer outra empresa.
Mas ninguém está em uma situação confortável. Se a Apple for bem sucedida e conseguir inovar nesse mercado, a Intel e outras fabricantes de chips para PCs serão pressionadas a correr atrás. Por outro lado, este é o fim de uma relação tão próxima entre a Apple e uma gigante que foi líder do mercado de semicondutores por 24 anos consecutivos. E agora?
Os primeiros Macs com Apple Silicon serão lançados até o final de 2020. Segundo Tim Cook, a estimativa é que a transição de arquitetura leve dois anos para ser concluída. Isso significa que, se tudo correr como planejado, toda a linha de computadores da Apple já será equipada com os novos chips em meados de 2022.

Apesar da mudança, a Apple ainda está desenvolvendo computadores baseados em Intel que chegarão ao mercado em breve. Além disso, os Macs com arquitetura x86 continuarão recebendo atualizações, inclusive com novas versões de macOS, por um tempo não especificado. O macOS Big Sur, por exemplo, será compatível com Macs lançados há sete anos, como os MacBooks Air e Pro de 2013.
Quanto ao ecossistema, os novos Macs com Apple Silicon poderão rodar:
- Aplicativos antigos por meio do Rosetta 2, que traduz o código de x86 para ARM no momento da instalação;
- Aplicativos nativos de macOS compilados para Apple Silicon, sendo que a Microsoft e a Adobe (guardem esses nomes) já confirmaram que vão desenvolver softwares profissionais para a nova arquitetura, e os programas Final Cut Pro e Logic Pro, da Apple, já estão prontos;
- E, pela primeira vez, aplicativos de iPhone e iPad, que poderão ser instalados por meio da Mac App Store.

Os atuais chips para iPad serão o ponto de partida para os futuros Macs com Apple Silicon, já que o primeiro kit de desenvolvimento é um Mac mini com processador Apple A12Z Bionic, o mesmo que equipa o iPad Pro lançado em março de 2020.
A transição de PowerPC para Intel
Não é a primeira vez que a Apple passa por um desafio parecido. A última mudança de arquitetura foi anunciada na conferência para desenvolvedores WWDC 2005, quando Steve Jobs subiu ao palco e mostrou a frase “It’s true” (“É verdade”), com o “e” caído, em uma referência ao logotipo da Intel da época. Esse foi o ponto de início oficial da transição de PowerPC para Intel x86, mas os rumores circulavam desde 2002.
Foi uma mudança inversa ao que está acontecendo hoje, já que o PowerPC foi criado em 1992 em uma aliança entre Apple, IBM e Motorola. A arquitetura do Mac OS X já não estava bem das pernas nos anos 2000 porque a Intel fazia um trabalho melhor, tanto em produto quanto em marketing. Lembro muito bem da guerra de números: a Intel fez barulho quando ultrapassou a barreira dos 3,0 GHz no Pentium 4, uma frequência que ninguém conseguia alcançar, incluindo os chips IBM PowerPC.
A Apple não parece ter medo de matar tecnologias: foi assim com o drive de disquete, o teclado físico no smartphone e o Adobe Flash Player. Com o PowerPC aparentando estar no limite e os chips da Intel sendo mais rápidos com menor consumo de energia, era esperado que a transição acontecesse.
E aconteceu bem rápido. Steve Jobs anunciou a transição em junho de 2005, com uma previsão de conclusão até o final de 2007 (ou seja, a mesma estimativa de dois anos da transição atual). Mas o primeiro MacBook com Intel chegou em janeiro de 2006 e, em agosto daquele ano, toda a linha de desktops, notebooks e até um servidor da Apple já havia abandonado o PowerPC.
O resultado é que a transição foi completada em exatamente 210 dias, mais de um ano antes do previsto.
No anúncio da transição, Steve Jobs confirmou os rumores de que todas as versões do Mac OS X estavam secretamente sendo compiladas tanto para PowerPC quanto para Intel — ou seja, desde 2001. Também era importante ter apoio dos desenvolvedores, e as duas primeiras empresas a anunciarem o suporte aos Macs com Intel foram a Microsoft e a Adobe (que coincidência, né?).
No sistema operacional, a história também era parecida. A Apple anunciou para o Mac OS X 10.4 Tiger um software chamado Rosetta, que traduzia programas de PowerPC para os novos Macs com Intel, permitindo que os desenvolvedores tivessem mais tempo para adaptar e compilar seus softwares para a nova arquitetura. O Rosetta durou até o Mac OS X 10.6 Snow Leopard, de 2009, que também foi a primeira versão exclusiva para Intel.

Agora que PC e Mac tinham a mesma arquitetura de processadores, a Apple tomou a decisão de lançar o Boot Camp, uma ferramenta que permite instalar o Windows e o então Mac OS X em dual boot. Isso existe até hoje e funciona muito bem para quem ainda precisa rodar softwares exclusivos de Windows (basicamente, jogos).
Eu era usuário de Windows XP na época e não passei por essa experiência, mas convidei o Rafael Fischmann, editor-chefe do MacMagazine, para contar como foi sentir na pele a transição da arquitetura PowerPC para Intel. Ele conta tudo no vídeo acima. 😉
Voltando ao presente: o que mais descobrimos
É claro que, depois do anúncio oficial na WWDC 2020, surgiram mais informações sobre a transição de Intel para ARM.
A primeira é que os novos Macs com Apple Silicon não terão mais o Boot Camp, o que foi confirmado pelo vice-presidente sênior de engenharia de software da Apple, Craig Federighi, em entrevista ao The Talk Show. Ainda será possível rodar máquinas virtuais, algo demonstrado na própria apresentação da Apple, mas é o fim da história de fazer dual boot com o macOS e outro sistema operacional.
E sim, existe uma versão do Windows 10 compilada para ARM, mas isso não significa que será possível instalá-la nos Macs. Primeiro porque a Microsoft confirmou que não vende licenças dessa versão para usuários finais, apenas para fabricantes. Segundo porque o simples fato de o processador da Apple ser baseado em ARM não garante a compatibilidade com sistemas operacionais compilados para ARM.
O inverso também é verdadeiro: o fato de um sistema operacional, como o macOS, ser compilado para ARM, não significa que ele possa ser instalado em qualquer computador com essa arquitetura. Por isso, a prática do hackintosh, de instalar o macOS em um PC comum, pode ser bastante dificultada ou até impossibilitada quando a Apple parar de dar suporte aos processadores da Intel.
Isso porque ARM não é um processador em si, mas uma base de uma arquitetura na qual outras empresas licenciadas (como Apple, AMD, MediaTek, Nvidia, Samsung e Qualcomm) podem projetar seus chips, com suas próprias otimizações e instruções extras. Com exceção da Samsung, nenhuma dessas empresas fabrica os processadores: tudo é terceirizado para companhias como a TSMC.
A flexibilidade do ARM permite que os dispositivos sejam muito diferentes entre si, e esse é um dos motivos pelos quais você não consegue instalar iOS no seu Android, nem Android no seu iPhone. Da mesma forma, não é porque seu roteador Wi-Fi tem um processador ARM que você pode instalar Android nele.
Ainda na semana do anúncio da transição, surgiu uma declaração de François Piednoël, um dos principais ex-engenheiros da Intel, que trabalhou na empresa por vinte anos, dizendo que os processadores Skylake (Intel Core de 6ª geração, lançados em 2015) foram o estopim para a Apple decidir pela mudança de arquitetura.
Segundo Piednoël, o controle de qualidade do Skylake era “anormalmente ruim”, porque a Apple encontrava muitas falhas na arquitetura. É normal que exista uma troca de conhecimento entre empresas parceiras, mas o ex-executivo diz: “Basicamente, nossos colegas da Apple se tornaram o relator número um de problemas na arquitetura. E isso foi muito, muito ruim. Quando seu cliente começa a encontrar quase tantos erros quanto você, você não está indo no caminho certo”.

Em uma sessão para desenvolvedores, a Apple explicou que, diferente da arquitetura Intel x86, os Macs com Apple Silicon terão núcleos de processamento assimétrico — ou seja, um grupo de núcleos de alto desempenho e um grupo de baixo consumo de energia, como já acontece nos chips ARM para celulares e tablets. Uma possibilidade é manter todo o processamento pesado nos núcleos potentes e deixar a renderização da interface para os núcleos econômicos, gerando maior sensação de fluidez.
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